domingo, junho 11, 2006

A arte de Reginaldo Marinho

(caleidoscópio para o fluir de fantasias)

*Walter Galvão

A nova arte que realiza o fotógrafo e inventor Reginaldo Marinho, embutida em quadros para a exposição desta quinta-feira em João Pessoa por ele denominada "Mosaicus", é esfinge pós-modernizante: a decifração das pulsões e porções de luz e vida resultará em devoração estética transformadora de conteúdos de repertórios culturais em trânsito entre olho, memória, desejo e linguagem. Do observado ao observador ao observado...

É também Kama Sutra para a retina: a transfiguração do corpo-imagem erotizado e dinamizado para compor uma gestualidade mecânica de simetrias provocativas e sensuais. Tanto aspira ao incontrolável fluxo do desejo, quanto denuncia a tentativa da cultura de domar o impulso sexual transformado em libido e tesão.

Arte que pode ser vista, percebida, apre(e)ndida enquanto caleidoscópio para abordagem lúdica das fantasias óticas da contemporaneidade.

Esta nova forma da obra de Reginaldo, autor de um dos mais importantes livros de imagens sobre o fim da ditadura na Espanha e criador do modelo construcel para edificações através de módulos prismáticos de resina, oferece a riqueza de um índice serial-repetitivo da ansiedade urbana, compõe uma genealogia de arquétipos definidores das hierarquias da observação, reivindica uma nova sensibilidade lógica para a fabricação de fantasias organizadas e funciona como maquinaria cibernética para estimulação do modelo mental que praticamos cotidianamente.

Os quadros são panfletos e monumentos que radicalizam o exercício da observação a serviço de uma explícita ideológica: a fruição dos padrões de imagens recortadas e repetidas que são manipuladas e justapostas, capazes de gerar uma "discursividade" específica.

Esta narrativa épica sem "conteúdo programático" remete ao labirinto enquanto símbolo de uma consciência entre o infinito das possibilidades combinatórias dos gestos na vida e um nível de excitação do olhar para o limite entre ilusão, fantasia e racionalidade que encontramos quando manuseamos um espelho frente a outro espelho.

Pura especulação a respeito das propriedades transmissoras da retina em diálogo com os outros sentidos estas tramas do artista que faz questão de contemplar o público com dois percursos, entre outros, do seu modo de agir artístico-estético.

Nas entrevistas que concedeu à imprensa, ele afirma inspira-se na cultura Khmer e na obra de Escher. Quanto à tradição artística Khmer, é possível identificar quais as fontes trabalhadas pelo artista. Uma delas é a geometria sagrada praticada pelos artífices e arquitetos ainda no tempo do reino Fu Nam, inicio da era cristã, fronteira da Tailândia onde se estabeleceu o Khmer hoje Camboja. Incontáveis páginas na Internet amplificam o legado desta arte. Geometria sagrada cristalizada nas mandalas de inspiração indiana, nos suportes, repito, e em toda a arquitetura que resultou no planejamento místico-mítico do templo Angkor, tão divulgada à época que sofreu os bombardeios na guerra do Vietnam. Professor de Geometria, Reginaldo trabalha tradição Khmer num tempo em que a ciência superou ignorâncias e já sabemos que forças interagem a partir do geométrico.

A referência à pintura de Escher é explicitação de transgressões lógicas da visualidade remetendo à profundidade espacio-temporal dos deslocamentos dos eixos de compreensibilidade ao mesmo tempo m que resgata os jogos e as delícias do manuseio do espaço do suporte criando a ilusão irônica e as afirmativas impossíveis que caracterizam a obra deste artista.

O método expositivo de Reginaldo Marinho é o do abstracionismo geométrico, ao que ele incorpora os dispositivos da arte cinética experimentada via computadores desde Waldemar Cordeiro, tudo com os saberes midiáticos ativados pelo software que manejou para obter os resultados da exposição. Inteligência cheia de emoção esta de Reginaldo que dá contribuição à "era da reprodutividade técnica" assinando quadros repletos de humor e ousadia. Os jogos de imagens multimídia encontraram um mago irresistível.


* Walter Galvão é Secretário de Educação de João Pessoa